terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Contos e crônicas


Enquanto o amor não é sentido

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

Aliz era prisioneira e sofria perseguição. Era a caçula de três irmãos, a única mulher. Sua família era bastante conhecida na região e detinha próspera situação financeira. O patriarca já havia morrido fazia quatro anos. Ele era verdadeiro amigo e protetor de sua filha ‒ protetor contra as investidas ferrenhas de sua esposa, mãe de Aliz.
A família morava na maior e mais bela fazenda da redondeza ao Norte da Hungria; a criação de gado leiteiro era trabalho que vinha de gerações. Os irmãos homens cuidavam de toda a fazenda e também da parte burocrática. Aliz sempre foi poupada de trabalhos físicos, teve sempre oportunidade para os estudos, aliás, que soube aproveitá-los. No entanto, seu olhar, muitas vezes, dizia que se ela tivesse trabalhado duro sem tanto sofrimento emocional, tanto seria mais feliz.
Pelos irmãos, ela era muito amada. Foi o que restou após a ausência de seu pai. Mas foram se casando e, na grande e bela casa, restaram a mãe, a filha, muitos empregados e a solidão.
Aliz pouco podia sair de casa, mesmo aos vinte anos, sua mãe muito decidia por ela. Então, para evitar discórdia e aborrecimento, a jovem permanecia a maior parte do tempo em seu quarto. As aulas de idiomas e piano eram ministradas na sala onde havia um belíssimo Steinway, negro, com cauda. Aliz amava tocar piano; seu pai admirava a facilidade e a emoção com que a filha executava o piano desde criança. No entanto, sua mãe nunca a elogiara por nada, embora a filha possuísse muitos predicados.
E foi num sábado de setembro, momento no qual o sol suave começava a se esconder, que a bela casa fora cenário de um inesquecível acontecimento. Naquele dia, como sempre, o professor de piano estava recolhendo as partituras depois de uma produtiva aula, quando a mãe de Aliz entrou no recinto onde aluna e professor estavam e, totalmente desequilibrada, começou a desferir palavras horrendas e perversas, todas direcionadas à filha. Vocábulos grosseiros e amargurados eram desferidos com muito ódio.
O professor tentou proteger a jovem que começou a sofrer investidas físicas da mãe. E o sol se pôs. A falta dessa luz de tom dourado e claro piorou a situação, pois quando tudo está mais gris, normalmente também mais sombrio e negativo se apresenta.
Depois de cair de joelhos, no meio da sala, devido à exaustão, a senhora, que estava com a face transfigurada e totalmente desequilibrada, pendeu para a direita e se perdeu no chão. Com aparência instintiva, buscava o ar para saciar o pulmão ofegante. 
A jovem, atônita, ficou segura por alguns segundos nos braços do professor até que, como se fosse no despertamento de um pesadelo, sua razão começou a voltar. Então, depois de a jovem começar a recobrar-se, o primeiro ato do professor foi, por telefone, pedir socorro, entretanto, no momento, não havia ambulância para socorrê-la. Mas, por algum evento desconhecido, um dos filhos entrava pela porta da sala para visitar mãe e irmã. E com rapidez, conseguiu colocá-la no carro com a ajuda do professor.
Aliz, desnorteada, não sabia para onde ir depois que se levantou do chão. Olhava, mas nada enxergava. A cozinheira, antiga funcionária da família, veio ao encontro da jovem que, como uma criança, precisava do aconchego seguro, de um abraço materno, amoroso e protetor. Como num relance, Aliz se deu conta de que sua mãe nunca a havia abraçado, muito menos dado um beijo em sua face ou feito um gesto carinhoso de mãe para filha.
A cozinheira amparava a jovem nos braços como se fosse a pequenina de antigamente, como tantas vezes fez. E por dentro, era tão carente e sensível, a jovem ainda era a criança tímida e amedrontada que fugia para longe de sua mãe.
Aliz ainda não sabia, mas sua mãe chegara quase morta ao hospital; seu coração não aguentara a emoção intensamente negativa e começara a se desconectar para não mais bater.
E devagar, a jovem fora se acalmando. Seu outro irmão chegou para ampará-la; os irmãos muito se entendiam. Muito se amavam.
Incrivelmente no momento em que Aliz começou a se acalmar foi o mesmo em que sua mãe desencarnou.
Na sala da casa, suntuosa, os dois irmãos estavam sentados; o professor se mantinha em silêncio em uma das poltronas. A cozinheira, querida senhora, amparava ora a jovem, ora o irmão que estavam com olhar carente como crianças.
De repente, o telefone tocou. O irmão levantou-se para atender.
‒ Alô! ‒ a voz foi expectante.
Do outro lado, o irmão mais velho informou o falecimento da mãe. Passou algumas orientações a serem seguidas e logo encerrou a ligação.
Na sala, o irmão do meio veio para perto da irmã caçula e lhe comunicou o ocorrido. Abraçaram-se. A sensação naquele tempo e local era de pesar, mas antes de tudo, era a de certo alívio por tudo o que já haviam presenciado; a intransigência e a frieza com que a mãe tratava a jovem Aliz eram perturbações para todas as pessoas da família.
E o pesar foi menor do que o sentimento consolador experimentado.
Todas as providências foram tomadas. Após algum tempo do enterro, houve a necessidade de alguns documentos para dar entrada a novas situações quanto aos numerosos bens da família. Os irmãos foram forçados a procurar a necessária documentação. E entre tantos papéis e documentos, foi encontrado um que mudaria toda a história familiar e até esclareceria o comportamento da matriarca em relação à única filha... mulher.
No papel estava escrito: “Não tem meu sangue, mas é minha filha... hoje e sempre”. Os filhos reconheceram que era a letra do amado pai. O documento fora registrado em cartório, em nome do pai, ou seja, ele havia descoberto a imprudência da esposa com um jovem muito bonito, contratado para trabalhos na fazenda. Desde o momento quando soube que a esposa estava grávida, e não mais poderia ser dele devido a problemas de saúde, não mais a tocou como mulher. No entanto, em nenhum momento a humilhou, ao contrário, acolheu-a com toda bondade; isso se tornara um segredo entre o casal.
O brilho de alegria surgiu quando a mãe deu à luz uma menina, linda. O homem a pegou nos braços e daquele segundo seu coração instantaneamente a amou. Tanto desejava uma menina... uma filha; ela veio. A mãe, desse instante, se sentiu desgostosa por não mais ser amada pelo homem tão maravilhoso que era seu marido. Ela aprendeu duramente que paixões impulsivas, normalmente, levam os envolvidos a sofrimentos perdurantes. O jovem, após o ocorrido, foi embora e nunca mais, dele, se teve notícia.
Para o coração materno, olhar para a filha, indesejada, mas tão amada por toda família, era a morte em vida. A filha não era culpada, mas, pela mãe, era torturada, principalmente, longe dos olhos do marido, quando ainda estava entre eles, e dos dois filhos.
As ocasiões ocorrem em duas situações: amor e reparação. A mulher não compreendeu que a oportunidade estava à sua frente. Era necessário sabedoria para percebê-la e muito amor para melhor entender a vida, grandeza absoluta.
Os três irmãos mais se aproximaram; o amor entre eles, intensificado. Eram antes, irmãos de alma, espíritos harmonizados entre si que só o tempo de outras existências pode construir. Tiveram a companhia de um espírito mais esclarecido e bondoso, tiveram a companhia de um com menos clareza e mais endurecido; no entanto, por algum motivo, foram agrupados no mesmo núcleo familiar.
Em toda dimensão e tempo, só o amor construirá baluartes de bondade e trará a verdadeira alegria ao coração.
   
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