terça-feira, 10 de setembro de 2013

À espera da adoção

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Quando abri meus olhinhos, estava num lugar bem diferente do que há vários dias me encontrava: na barriga da mamãe. E, aos poucos, percebi que outros muito parecidos comigo vieram juntos, ou melhor, nasceram.
Eram sete cachorrinhos muito fofos; eu era um deles. A dona da mamãe também nos cuidou por algumas semanas, mas não podia ficar com todos os filhotes, na verdade, precisava encontrar donos para nós. É estranho esperar que alguém nos queira para, assim, termos um lar. Mamãe nos explicou muitas coisas, principalmente, como deve ser o nosso comportamento para encontrarmos um bom dono e um pouquinho carinhoso.
Mamãe ainda nos ensinou a não sermos chorões e nem muito gulosos; a sermos obedientes e amorosos com os nossos futuros pais, ou melhor, donos; a esperarmos sempre no tapete de fora; a não fazermos tanta bagunça, muito menos sujeira. Essas foram algumas recomendações para sermos aceitos como animais de estimação.
E os dias se passaram. Meus irmãos, quase todos já haviam recebido um lar, um dono, somente Bolinha Branca e eu estávamos aguardando a oportunidade e esperançosos de alegria e proteção para nossa vida futura. Chamo minha irmãzinha de Bolinha Branca porque ela é branquinha como o leite da mamãe e tem pelos bem fofinhos como o paninho que a atual dona nos cobre para dormir; os outros irmãos, inclusive eu, temos pelos mais escuros e mais curtos, somos machos e não podia ser diferente, mas mamãe nos esclareceu que isso é preconceito e tudo em extremo torna-se difícil para se viver. É preciso, acima de tudo, compreensão de que somos distintos e essa diferença é que enriquece a vida.
E mais um dia se foi e nosso novo dono não apareceu, talvez não encontrara o endereço para chegar até aqui, pode ser isso. Mas a dona atual parecia preocupada por ainda estarmos com ela, pode ser também que estejamos dando gasto com a comida. É difícil viver com a insegurança. Tenho vontade de ser mais alegre e brincalhão, vejo, porém, que ela não me quer dar muita atenção.
Mamãe disse que a dona não nos acarinha muito, pois quando amamos alguém e depois ocorre a distância torna-se sofrimento incalculável; mamãe explicou que o coração chora de verdade.
Escute! Um carro parou em frente de casa. Será que é o meu dono? Ergui minhas orelhas para ouvir melhor a conversa. A dona explicava como era a nossa rotina, o que comíamos durante o dia e abrandou a nossa bagunça.
– Que linda essa cachorrinha branca! – a visitante falou.
Entendi que seus olhos não estavam encantados por mim, mas por minha irmã. Tudo bem, pelo menos ela poderia já ter encontrado um lar bem amoroso.
Assim aconteceu. Ela se despediu de mim com um cheiro no focinho e um rosnadinho de ternura para mamãe. Lá se foi. Somente eu restei. Fui para perto da mamãe; ela tinha outras coisas a fazer. Continuo aguardando alguém caridoso.
Mais dois dias se passaram. Aumentava a preocupação de minha dona Camile e a minha agonia se agigantava por até agora ninguém se interessar por mim.
Deitei-me na beirada do tapete da varanda da cozinha; era preciso deixar espaço para os humanos limparem os pés. Sem muito demorar, passei para aquele soninho gostoso que tanto faz bem.
Nesse momento, apareceu uma moça bondosa, olhou para mim e me falou:
– Estava te procurando. Que bom que te encontrei!
Ela me pegou, acariciou e me apertou contra seu peito cheio de amor.
Imensa felicidade inundou meu coração. Quanta alegria! Agora terei a minha casa e uma dona que cuidará de mim.
De repente, acordei. Abri devagar meus olhinhos; era um sonho. Ah, que tristeza! O que será de mim? Continuei no tapete.
Ainda deitadinho, ouvi Camile falar:
– É este aqui.
– Que lindo cachorrinho é você! Venha, meu querido!
Levantei a cabeça e quase desmaiei. A moça bondosa do meu sonho estava bem aqui.
Ela me acariciou tanto e em seguida me pegou no colo e me apertou, amorosamente, contra seu peito. Ouviu tudo o que Camile tinha para lhe dizer sobre minha rotina e me levou para sua vida.
Aguardei tanto esse dia. Hoje sou feliz e amado. De todos os donos que buscaram os meus irmãos, nenhum se iguala à minha bondosa dona Açucena, esse é o seu nome; também sei que é nome de flor.
Tudo tem o seu tempo. É preciso viver cada dia com bondade e confiança. Cada coisa ou pessoa confiada ao nosso coração chegará no tempo oportuno à porta da nossa vida.
Agora estou em minha caminha observando a linda flor açucena no canto da sala do meu verdadeiro lar.

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