terça-feira, 26 de agosto de 2014

As flores nascidas das lágrimas da dor



CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Quem dera fosse a espera pelos pais que retornavam de uma viagem. O filho estava, sentadinho, esperando, mas não chegariam com novidades. A família já se reunia na casa do menino; porém, o choro foi maior do que os abraços de reencontros felizes.
Inexplicavelmente, os pais de Isaac amanheceram mortos no leito do casal. Não se sabe a causa do inesperado acontecimento... os dois de uma vez. Cogitou-se uma suposta ocorrência, com alguma comida imprópria servida na festa da noite anterior, à qual toda a família comparecera, no entanto, somente o casal sofrera tamanha complicação levando-o à fatalidade.
Poderia ser encontrado o motivo, mas não traria, ao convívio comum, os pais do menino.
De repente, as urnas chegaram para o velório; momento importante para preces e ocasião para o desapego do corpo físico, ligação mais intensa com o plano espiritual, pois a bondade do Pai é a eternidade dos dias para o espírito.
Primeiro foi o corpo da mãe a ser posicionado, em seguida, o do pai. Isaac, ficou sentadinho entre um e outro. Colocou uma mãozinha em um e depois em outro, levantou-se, olhou para cada um com tanto amor, tanto carinho.
As pessoas presentes se comoveram muito pela docilidade do menino, do filho do casal. Mesmo com a frágil situação, Isaac não se desesperava, cuidava do pai e da mãe, mesmo sem mais necessitarem do amparo físico. Sentadinho na cadeira entre os dois, balançava os pezinhos, era franzino e nem alcançava o chão para repousá-los.
Os avós, os tios, um por vez chegavam ao ouvido do menino, e com tanta brandura, perguntavam-lhe se precisava de alguma coisa; até água e suco eram levados até ele, pois não se distanciava do posto de cuidador amoroso. Somente duas vezes havia ido ao banheiro durante o período da manhã e já dois quartos da tarde também se findavam.
Isaac tanto foi cumprimentado com abraços e beijos na face, e as pessoas deixavam sempre um pouquinho de lágrima em seu rosto. Talvez essas lágrimas não fossem somente pela perda do casal, mas muito mais pela comovente atitude do pequenino órfão. A ternura de seu olhar perante os pais, adormecidos nos caixões, fora dificilmente vista antes em outros olhos.
Como se não bastasse toda essa comoção, o filho ainda conversava com os pais sobre assuntos cotidianos, como se os dois pudessem lhe responder; os três normalmente conversavam e compartilhavam com risadas e tanta felicidade as conversas simples e maravilhosas do dia a dia.
E esse momento tão marcante para Isaac estava prestes a se encerrar, pois um homem com jeito calmo e amoroso adentrara o recinto onde ocorria o velório para dizer bondosas e confortantes palavras para os presentes, enfatizando, para o filho e família. Após a mensagem de conforto, as urnas seriam recolhidas e encaminhadas até o túmulo da família, que era preparado para recebê-las.
Quando foi informado o horário para o fechamento das tampas, naturalmente, algumas pessoas mais próximas começaram a se despedir e virou um ritual as pessoas se despedirem com um olhar para os dois falecidos e com um beijo na face ou na cabeça do filho do casal.
Exatamente às dezessete horas de uma tarde primaveril, haveria o enterro dos pais de Isaac.
Como é comum, antes de haver o sepultamento, já no cemitério, é realizada mais uma oração de corpo presente e, assim, ocorreu naquele momento; entretanto, as palavras amorosas e reconfortantes foram proferidas por um filho, agora órfão, de apenas onze anos.
O menino se soltou, com calma, da mão da avó materna e pediu para dizer algo. Todos, já muito emocionados pelo pouco comum acontecimento, ainda com mais expectativa, se puseram a ouvir. Isaac, aparentemente tão frágil, começou a falar, posicionado em um local onde todos podiam vê-lo.
Com as mãos entrelaçadas à altura do coração, o pequenino começou o discurso de um filho proferindo sobre seus pais:
– Antes de tudo, agradeço a Deus por ter sido o filho desses meus pais queridos. Quantos momentos felizes passamos juntos, tantas coisas descobrimos, quanto os meus pais fizeram por mim.
O jovenzinho deu uma pausa e seus olhos brilhavam como a gota do orvalho na manhã de um novo dia, mas sem desespero, pois seus pais haviam-lhe passado ensinamento sobre o significado de uma existência em relação à eternidade da vida. Isaac era iluminado por uma luz encorajadora e calma, e amigos do outro plano o sustentavam para a ocasião. Ele continuou:
– Quando tinha medo de dormir, sozinho, à noite, mamãe conversava com papai e ele logo me buscava e em seus braços me trazia para a sua cama e, com tanta felicidade, nós três conversávamos e tanta risada surgia, mas isso só quando estava com muito medo. E nas vezes que precisava me explicar alguma coisa, quando era bem criança ainda, papai se abaixava e de joelhos ficava e me olhava na direção dos meus olhos para, assim, com palavras bem simples e de fácil entendimento, eu compreender e aprender a nova lição. Quando estava bem frio, nós três ficávamos encolhidos no sofá, mas mamãe me colocava, sentadinho entre os dois para eu ficar quentinho e protegido. Mamãe, todas as noites, fazia comigo a oração de agradecimento e pedido pelos bons acontecimentos, saúde e proteção, também para eu ser um menino e homem de bem, que respeitasse e compreendesse as pessoas, os animais e a natureza inteira, pois mamãe falava que ter respeito era o início do amor, e mesmo que ainda não amasse alguém como amo meus pais, mas com o respeito já estaria compreendendo a sua importância e um dia, também, poderia amá-lo.
Devagar algumas lágrimas escorreram dos olhinhos do menino, enquanto que no rosto dos presentes, até nos mais aparentemente insensíveis, estava o banho da lágrima das emoções. Momentos assim são pura reflexão de como está o convívio com os mais próximos e com a vida de uma forma geral.
E o filho retomou mais uma vez para a conclusão de seu discurso tão simples e verdadeiro:
– Só mais um pouquinho. Quero muito agradecer a Deus e pedir que Ele leve meus pais para um lugar bem bonito e protegido, e como papai um dia me falou: “nós nos reencontraremos, filho”, aguardo esse dia, mas com muita felicidade para viver ainda aqui, pois mamãe me falava que o sorriso dos olhos traz alegria para todas as coisas. E também agradeço a todos por estarem aqui e me fortalecerem com palavras, carinhos e muitos abraços... e agora continuarei a minha vida e, também, serei o homem de bem com que tanto mamãe se importava.
Isaac colocou uma mão em cada caixão e o soluço veio forte e incontido. As duas urnas foram descendo à medida apropriada e logo estavam recolhidas e o lugar, com o acabamento necessário.
No final daquela tarde, com os raios de sol bem fraquinhos, o menino, de mão dada com a avó materna que teria agora a importância de sua mãe, voltava para a casa sem os pais. Uma nova vida se iniciara. Aquele aparente e frágil menino caminhava amparado por seus parentes e por amigos espirituais tão dedicados ao bem comum.
Os atos obedecem a uma lei universal, à lei de Deus. Inúmeras vezes não se compreende o desencadeamento das ações e reações, no entanto tudo possui uma razão de ser. A mesma energia receberá a sua resultante em curto tempo ou na duração de existências inteiras.
Isaac estava no curso que, por algum motivo, lhe conveio essa ocasião e o amor de Deus, perfeito Criador, por meio de ajudantes amorosos encarnados e desencarnados, sempre o ajudará a buscar uma melhor maneira para o cumprimento do dever, degrau da evolução.
O livre-arbítrio é comum a todo espírito, o que diferenciará em bem ou mal são as escolhas na caminhada da vida.
E a avó de Isaac, a partir de agora, o levaria para a sua casa, cuidaria dele como o filho que em outro tempo não foi capaz de cuidar.

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