terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Janelas que se abrem na noite de Natal



CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Os enfeites de Natal eram de muito bom gosto. A casa estava belamente decorada tanto interna quanto externamente. A família receberia convidados para a ceia, portanto, houve muito trabalho a fazer.
Na requintada residência, moravam Edgard, pai e esposo; Haydée, mãe e esposa; Frederico, filho de onze anos e inúmeros funcionários para manterem sempre, em perfeita condição, a ordem e a limpeza impecáveis na qual se encontrava a luxuosa mansão.
Era uma família feliz, cujo respeito sempre houve, assim como o amor e a preocupação com o bom comportamento e aquisição de cultura. A religião também era operante naquele núcleo familiar.
A governanta Louise vira Frederico nascer e tinha por ele um grande afeto. Embora ele sentisse grande simpatia também pela senhora, aliás, mulher com grande educação em todo aspecto, o menino sentia um carinho admirável pela cozinheira, Laurin, e por seu esposo, o motorista, Ludovic.
O casal não tivera filhos, talvez por motivos ocultos ou por simples escolha. Eles se conheceram na casa onde ainda hoje trabalham e, em pouco tempo de conhecidos, iniciaram uma vida comum a dois. O casal completara recentemente três décadas e meia de união, pois começaram quando os patrões eram ainda os pais de Edgard.
E na véspera deste Natal, haveria comida muito saborosa e sofisticada feita pelas mãos de Laurin e acompanhada de todo seu amor, pois cozinhar era uma amada arte para a mulher.
Tudo estava pronto, e devido à época muito fria e nevosa, o finalzinho de tarde já era noite há muito tempo.
A família estava pronta. Os três estavam muito bem vestidos e penteados, nobres anfitriões. Todos os funcionários estavam com o uniforme de gala e com simpático sorriso no semblante.
Os primeiros convidados começaram a chegar e foram recepcionados com muita alegria e consideração. Até um jovem pianista fora contratado para tocar canções natalinas. De fato, tudo estava maravilhoso e impecável.
Para as crianças, havia muitos presentes, brincadeiras e animadores, no entanto, a diversão era um pouco contida, nada de gritaria, nem correria pelos ambientes decorados. Todos os convidados estavam se valendo da ocasião tão proveitosa que o momento oferecia, pois a família anfitriã era de posição social influente desde gerações.
Os funcionários, sempre muito cordiais e atenciosos, serviam primeiramente os quitutes requintados, acompanhados de bebidas caras e todas da mesma região mais para o sul da Europa.
A casa estava cheia e o amor também era muito presente.
Frederico, como os pais, era um anfitrião muito gentil; o exemplo é o melhor ensino. Atentava-se para que as crianças estivessem se divertindo e realmente estavam.
Pelas janelas de vidro em forma de pequenos quadrados, via-se a neve cair e deixar o campo em paz, bem branquinho. As luzes dos postes e casas estavam acesas e significavam a vida pulsando em cada lugar.
No momento em que se anunciou que o jantar seria servido, a campainha tocou.
– Deve ser algum convidado atrasado devido a um imprevisto. Por favor, senhora Louise, abra a porta – pediu Edgard.
– Sim, senhor a governanta respondeu.
Com elegância, senhora Louise se encaminhou e abriu a porta. Ela já recebia, com sorriso, o possível convidado; era o guarda da rua para avisar que o carro de um provável convidado estava com o farol aceso. Logo, tudo se resolvera e o jantar iniciou.
A comida era muito variada, saborosa e com apuro extremo. Quem quisesse poderia se servir da refeição do aparador, ou então, poderia ser servido por um dos funcionários de prontidão. Realmente, a ocasião estava perfeita.
Mais uma vez a campainha tocou. As pessoas nem perceberam, ou mesmo, não se importaram, deveria ser outra vez o guarda para algum aviso. Somente a governanta se dirigiu para atender. Abriu e, dessa vez, não era a mesma pessoa da vez anterior.
– Boa noite, o que o senhor deseja?
– Boa noite, senhora. Há tempo tento entregar uma carta neste local... uma carta escrita há muitos e muitos anos o homem, de aproximadamente setenta anos, respondeu.
Senhora Louise o observou e, antes que alguém o percebesse, ela lhe pediu que entrasse pela lateral da casa e chegasse à porta dos fundos. Ele aceitou e seguiu discretamente.
A governanta avisou alguns funcionários que estaria na cozinha para resolver a inesperada situação. Laurin estava cuidando para que não faltasse comida durante o jantar e Ludovic estava sentado ao canto da mesa, fazendo companhia à esposa; o casal já havia jantado antes.
Então, a senhora Louise entrou na cozinha e recebeu o senhor, desconhecido, pela porta dos fundos.
Quando os olhos do senhor se encontraram com os de Laurin, foi como se algo completamente impensável estivesse ocorrendo naquele instante. A cozinheira até se afastou um pouco.
Não pode ser! – exclamou Laurin.
O que está acontecendo? – a governanta perguntou para tentar compreender.
Nada, não, senhora Louise – Ludovic tentou apaziguar, pois conhecia toda história, embora não tivesse vivenciado, no entanto, conhecia Ernest, o antigo motorista da família, que estava à sua frente.
Mas vocês se surpreenderam...
A governanta não concluiu e logo saiu, pois ouvira o suave sininho da sala de jantar solicitando a sua presença.
– Ernest, o que faz aqui? Laurin perguntou, quase apavorada.
– Durante muitos anos, procurei por este endereço e finalmente consegui chegar, pois foram tantas as dificuldades. A casa ainda está com a mesma família, ou melhor, seus descendentes o senhor falou.
– O que quer fazer? Já se passou todo esse tempo... – com os olhos lacrimosos, a senhora cozinheira falou.
Quero apenas entregar a carta do antigo patrão, senhor Edgard, pai. Ele me deixou essa incumbência; eu sinceramente precisava realizar – deu uma pausa. Ele a escreveu pouco antes de morrer, penso que desejava esclarecer algumas situações. E também quando se compartilha, o alívio normalmente acontece – Ernest concluiu.
Tanto tempo se passou... e justo na noite de Natal? – Laurin perguntou chorando.
Não há como evitar... Gostaria de somente entregar a carta...
– E arrasar uma história inteira de família? Ludovic, severo, questionou.
Nesse momento, em que a discussão, mesmo ainda reprimida, começou a se tornar mais declarada, a senhora Louise retornou à cozinha, observou o acontecimento e perguntou imediatamente:
– O que está acontecendo aqui? Os senhores podem me explicar?
Os primeiros instantes foram de silêncio total. Os olhos estavam assustados e lacrimejados por tamanha emoção ressuscitada.
– Por favor, desejo uma explicação insistiu a governanta.
– Senhora, vim aqui para entregar uma carta que há muito tenho comigo.
Carta de quem para quem, senhor? – tornou a perguntar.
Do senhor Edgard, pai, para o senhor Edgard, filho – Ernest respondeu.
E percebo que vocês se conhecem – afirmou a governanta.
– Sim, eu e Ernest nos conhecemos, senhora Louise – respondeu Laurin.
Por favor, só preciso entregar ao senhor Edgard, filho, e logo irei embora – o senhor Ernest falou.
Como o senhor já percebeu, hoje é a noite de Natal e acontece um jantar em família e com muitos amigos. Por favor, compreenda... posso entregá-la mais tarde – senhora Louise, com toda cordialidade, falou.
Senhor Ernest mais o casal se olharam e logo o visitante, inesperado, sugeriu:
Senhora, dessa forma, nada me assegura que a carta chegará às mãos da pessoa interessada... sendo assim, gostaria que a senhora a lesse em voz alta para garantir que outras pessoas estejam cientes de seu conteúdo.
– Sim. Então, depois da leitura, o senhor pode comer algo aqui na cozinha e seguir sua vida; pode ser assim? a governanta quis se certificar.
Sim, senhora. Muito lhe agradeço – o senhor respondeu.
A senhora Louise pegou o envelope amarelado e dele retirou a carta da mesma cor. Abriu, com cuidado, para não rasgá-la.
Atenciosa, a governanta iniciou a leitura:

Sou Edgard Thompson, escrevo algumas palavras para expressar tão imenso sentimento que me invade a alma. Recebi um filho como presente maravilhoso enviado por Deus. É de meu sangue somente, e não do sangue de minha esposa, no entanto, ela o tomou como filho e o ama perdidamente. Sabe da história que me ocorreu e, por amor, perdoou-me e eu, agradecido de forma eterna, teria como objetivo determinado e amoroso viver a plenitude com minha família, se não fosse esta doença, incurável, que me acometera.
Estou certo de que em alguns dias não mais estarei entre os meus que tanto amo, mas sim, em outro plano para continuar a caminhada. Minha amada esposa, que não podia ter filhos, sabe que a mãe biológica é Laurin, mulher simples, e para não perder o vínculo, contratou-a como cozinheira para, assim, também ser cuidada. Houve compreensão de todas as partes e, a partir disso, temos um segredo guardado.
Não se sabe quais caminhos haverá na estrada da vida, apenas as escolhas é que abrirão para o céu azul ou para um céu mais gris.
E algo ainda é mais exato: um coração deve ter fé e muito amor. Os erros existirão até o momento em que o discernimento e vontade forem determinantes.
Encerro esta carta dizendo que, embora tenha errado muito, amo e eternamente amarei meu filho único, minha esposa e Laurin, esta por tanta simplicidade e ternura ter também conquistado meu coração pelo instante necessário para conceber um filho, meu profundo desejo.
Reconheço, perfeitamente, meu ato inadequado... irresponsável, no entanto, há coisas que acontecerão de toda forma, pois devem ser.
Sempre,                                                                
                             Edgard Thompson
     
Após a carta lida, as pessoas, na cozinha, que participaram do acontecimento, estavam perplexas e, ao mesmo tempo, com mais leveza e harmonia, pois após muitos anos, o fiel motorista do senhor Edgard, pai, cumprira sua promessa, feita, no leito de morte de seu patrão.
Mais um olhar, perplexo, no canto da porta, era presenciado. Edgard, como a governanta se ausentara da sala de jantar, buscou algo na cozinha quando, ainda no início da leitura, já pôde compreender o esclarecimento.
De seus olhos escorriam lágrimas muito emocionadas e todos perceberam o patrão naquele instante. De fato, o medo e o desconforto recuavam sua energia para a fé sobrepujar a insegurança.
E sem esperar, Frederico entrara na cozinha e, sem ainda saber a real situação, porém, por puro amor, se aninhou nos braços de Laurin como sempre fazia.
As lágrimas de amor e luz escorriam juntamente com a nova maravilhosa energia benéfica.
Para o espírito, a eternidade é seu tempo determinante. Muito já se viveu e ainda infinitamente ocorrerá. Programações existem para que num desejado e abençoado breve futuro, a caminhada possa ser mais amorosa e feliz entre o maior número de espíritos.
E a partir daquela noite de Natal, o neto abraçava sua avó; o filho, a sua mãe, embora fora infinitamente amado por sua mãe de coração que há tempo partira.
A estrela de Natal brilha todos os dias, pois Jesus Cristo é a luz.
E em muitos núcleos familiares haverá os nós a se desatarem e apenas os laços de família a serem dados com amor.
Sempre há o que reparar, no entanto, sem julgar, pois cada espírito sabe de si e, pela misericórdia de Deus, todos teremos novas oportunidades na estrada para uma vida melhor.
No lar desta família, a riqueza pôde ser vivenciada como conforto material, entretanto, o amor era a característica mais definida e presente.
O senhor Ernest também ficou para o jantar da noite de Natal. E os olhos de Ludovic brilharam, assim como os de Laurin, Frederico e Edgard, filho.

Visite o blog Conto, crônica, poesia… minha literatura: http://contoecronica.wordpress.com/



Nenhum comentário:

Postar um comentário